A juventude ardente de um mangaká
Uma das coisas mais difíceis na carreira de um mangaká, sem sombra de dúvidas, deve ser conseguir se manter influente por anos a fio sem perder o brilho que lhe levou ao estrelato. E uma das coisas mais difíceis para quem acompanha mangás, em um todo, é achar uma obra que mostre bem essa essência.
Devo
confessar que, até hoje, só conheço um mangaká que teve sua vida retratada de
modo biográfico em formato mangá, o autor em questão é Osamu Tezuka; no ano
passado foi a vez de Masami Kurumada ter sua vida retratada desse modo,
comemorando seus 40 anos de carreira. E é sobre ela que falarei hoje, vou
apresentar um pouco mais sobre esse autor que, apesar dos traços ruins, tem um
espírito ardente e apaixonado.
Considerações gerais
A
publicação de Ai no Jidai – Indigo Period começou na edição 33 da Shukan Shonen
Champion, tendo seu fim na edição 41 do ano de 2015. A obra é um volume único e
possuí um tom bem mais sério, talvez até intimista por parte do autor.
A
história se foca na juventude de Masami Higashida cobrindo até seu debut como
mangaká na Shonen Champion (coincidência? Acho que não). No decorrer da história
descobrimos mais sobre sua infância, na qual ele queria ser um yakuza, e sobre
como foi seu caminho até realmente ter um mangá publicado. Temos um roteiro que
se foca em nos apresentar o personagem principal que, a priori, não possuía motivação
nenhuma para desenhar, pois acreditava que apenas as pessoas graduadas podiam
fazê-lo com qualidade e com o passar o tempo se foca em criar um mangá com
espírito jovem e cheio de emoções.

Vale
tecer alguns parágrafos para comentar sobre como tudo se desenrola e citar as
personagens que são suporte para todo ciclo da biografia ficcional. Começando
pela primeira metade da obra que é bem voltada em antes dele debutar, é voltada
ao tempo que nosso autor/protagonista era um jovem que vivia em um bairro
pobre, no tempo que ele tinha como ídolo um membro da Yakuza. Fora ele, também
temos seus dois amigos Toshio Nakayama e Junichi Kobayashi, cada qual teria um
final diferente (eu poderia dizer qual são esses finais, uma vez que no
primeiro capítulo nos é contado, mas quero que vocês leiam para saber), porém
são pessoas que ajudaram muito nosso mangaká a seguir rumo ao seu sonho sem
desistir.
O
legal desse começo é notar uma semelhança gritante com nossa sociedade, pois
quantas pessoas não deixam de lado seus sonhos e objetivos para se dedicar a
carreiras perigosas ou fáceis demais, justamente por possuírem ídolos e
personalidades que lhe inspirem a isso. É um caminho arriscado e dependendo de
quem você veja como ideal, seu fim pode não ser algo heroico, por assim dizer,
e essa é a mensagem que essa primeira parte lhe passará, de algum modo.
Kurumada
sempre é enfático no que diz durante os capítulos, sempre deixando claro que
nunca foi um intelectual, que nunca foi vivido. Era um autor que não possuía
experiência de vida, apenas paixão por mangá e isso, depois de muito esforço,
rendeu frutos. Não foi um caminho fácil, mais do que isso, não foi uma vida
fácil para ele, pois quem almeja o topo, tem que lutar com todas as forças, tem
que ter o preparo para críticas, em especial no caso dele que não tinha bons
traços e muito menos roteiros profundos. Como o editor dele diz em determinado
ponto do mangá: “Chato. Porém... tem potencial... tenho o pressentimento que você
tem algo escondido...”. E é aqui que se encaixa um ponto que se destaca na
carreira do Kurumada (autor) como um diferencial: ele pode não criar histórias
potencialmente boas, ou até mesmo profundas, mas entretêm e abre um leque para
expandir suas criações. Ring ni Kakero foi sua primeira obra e é reconhecida
até hoje como uma boa obra, Saint Seiya é seu sucesso mundial e rende um vasto
universo que se expande cada vez mais e isso que faz o Kurumada ser tão
peculiar.
Outro
ponto que merece destaque nessa análise é o texto dele no final do mangá. Ali
ele comenta que poderia, sim, ter sido um Yakuza, que poderia, até mesmo, ter
sido um zé ninguém. Mas ele enfatiza que, onde ele vivia, não se podia falar de
sonhos. Não podia sonhar nos bairros baixos; o que chega a soar irônico quando
pensamos que, motivado pelos amigos, ele sonhou, almejou e alcançou. Hoje ele é
um mangaká e não um apostador.
Afinal, por que ler?
Depois de um texto
desses, até meio sentimental, talvez ainda haja dúvidas do porquê ler essa obra.
Caso não haja, corra atrás e leia, agora se ainda houver dúvidas elucidarei
elas aqui.
Creio que essa seja uma autobiografia
ficcional bem peculiar e até bacana para quem não conhece muito do autor e até
mesmo para aqueles que, muitas vezes, não entendem o árduo caminho para
realização de algo. Óbvio que tudo ali é bem resumido e condensado, mas ainda
assim dá para sentir que foi colocado a força de vontade na crença que ele
tinha em deixar os leitores empolgados. Kurumada pode não ser um autor genial,
mas sempre seguiu sua carreira escrevendo aquilo que acreditava ser um sopro de
juventude e, a cada página, esse mangá transpira isso. E fica a lição: caminho será
longo. Terá lágrimas, decepção, pessoas que não valorizam seu trabalho e até
atalhos errados, mas apenas os talentosos criam raízes e avançam para um amanhã
cheio de glórias.
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